A noite passada...
À noite tudo parece... aliás, tudo é muito mais calmo. É como que se a escuridão da própria noite nos transmitisse uma calma e uma serenidade que a luz do dia não nos permite ter. De dia deixamo-nos levar pela aspereza da luz forte e agressiva, para a lufa-lufa dia-a-dia. Acho mesmo que se fosse sempre de dia, ao fim dos primeiros três dias sem noite, estaríamos todos a sofrer de ansiedade crónica.
A noite serve como expiação das nossas ansiedades e pressas do quotidiano. Começa a preparar-se com o entardecer. A luz cada vez mais ténue do sol que se deita prepara a alma para a meditação nocturna. Já no escuro, a alma como que abre as portas para a auto reflexão. Pensamos no dia que passou, nas atitudes boas e más que tivemos, ao mesmo tempo que nos visita uma vontade enorme de fazer melhor. Não cabemos em nós de vontade. Apetece-nos fazer isto e aquilo. Surge até uma hipotética solução para aquele problema. Novos desejos... enfim, uma ambição inocente e desmedida de ser mais e melhor. Respiramos fundo. Escondemos um bocejo teimoso que insiste em marcar o compasso do sono. Semicerramos os olhos... imaginamos os novos desejos já realizados... sentimo-nos capazes de tudo. A vontade agora é livre e dita as suas regras. Abrimos ligeiramente os olhos. Fixamos o candeeiro. Mergulhamos na luz desfocada e artificial enquanto os fechamos novamente, mergulhamos nas profundezas do sono.