Quem
somos e o que desejamos nesse mundo globalizado?
Um país não existe meramente por existir; tem
um sentido intrínseco, de trazer algo original para o conjunto da humanidade.
Por isso, paira no ar a pergunta: qual é realmente o sentido da nossa
existência? Que trazemos de novo, para o conjunto da humanidade?
Seríamos verdadeiramente cordiais?
A
hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos
visitam, representam, com efeito, um traço definitivo do caráter brasileiro, na
medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos
padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal.
Seria engano supor que essas virtudes possam
significar ‘boas maneiras’, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas
de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante.
Nenhum
povo está mais distante dessa noção ritualista da vida que o brasileiro. Nossa
forma ordinária de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da
polidez. Ela pode iludir na aparência – e isso se explica pelo fato de a
atitude polida consistir precisamente em uma espécie de mímica deliberada de
manifestações que são espontâneas no ‘homem cordial’: é a forma natural e viva
que se converteu em fórmula. Além disso a polidez é, de algum modo, organização
de defesa ante a sociedade. Detém-se na parte exterior, epidérmica do
indivíduo, podendo mesmo servir, quando necessário, de peça de resistência.
Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar intatas sua
sensibilidade e suas emoções.(…) No homem cordial, a vida em sociedade é, de
certo modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele sente em viver consigo
mesmo, em apoiar-se sobre si próprio em todas as circunstâncias da existência.
Sua maneira de expansão para com os outros reduz os indivíduos, cada vez mais,
à parcela social, periférica, que no brasileiro – como bom americano – tende a
ser o que mais importa. Ela é antes um viver nos outros. Foi a esse tipo humano
que se dirigiu Nietzsche, quando disse: ‘Vosso mau amor de vós mesmos vos faz
do isolamento um cativeiro.
Somos um país leve e sempre em movimento
Num mundo globalizado, onde os demais modos
de produção antes existentes foram totalmente derrotados pelo capitalismo,
reina absoluta a mercadoria, acentuando para todos o seu valor de troca. Um
mundo homogêneo que exige fluxo constante de mercadorias e a subordinação de
todos ao desígnio único: consumir. Para isso, tem-se que adequar todas as
economias a esse sentido, de uma forma em que o particular subordine-se ao
geral.
Nas novas condições, a felicidade é
equiparada a posse de objetos. O consumo rege o modelo de vida, definida pelo
excesso de ofertas, demandas vorazes e liquidez. O sistema oferece objetos
customizados para todos os gostos. O “ter” que já tinha substituído
completamente o “ser”, dá lugar ao “parecer”. Ou seja: não é mais necessário
possuir um produto, se uma cópia perfeita dá a mesma sensação de satisfação,
dentro do grupo social que frequento.
O brasileiro teve, em consequência, de
modificar o seu modo de vida, assumindo uma forma de viver mais racionalizada,
onde a economia e o consumo estão no vértice da sua existência como ser social.
Um mundo mais complexo se impôs: impessoal, regido pelos sistemas, onde cada
vez menos se pode interagir com o semelhante. Onde as negociações tornam-se
impessoais e as relações entre amigos, baseadas na emoção, já não prevalecem.
Todos buscam um lugar ao sol, e competitividade, numa relação darwiniana, só
premia os mais fortes. Solidariedade, hospitalidade, generosidade eram, além de
virtudes presentes no pensamento de Sérgio Buarque, o que ele via como nossa
contribuição à civilização. Mas não são capazes de se impor no mundo
contemporâneo: complexo, múltiplo e impossível de ser compreendido, embora
pautando pelo racionalismo….
Seguimos o curso de perdermos nossas
particularidades diluindo-nos no mundo global. Adotamos novas formas de comer,
de passar o tempo, de nos vestir, de ouvir músicas, de trabalhar e de pensar –
muito mais semelhantes ao conjunto da aldeia global. Nossos shoppings são
idênticos aos de qualquer país no exterior. Engordamos com os mesmos
carboidratos e morremos das mesmas doenças — além de ouvirmos e assistirmos às
mesmas notícias.
O cidadão tem cada vez menos
entendimento da realidade que o cerca. Sucumbe ao fato de que a realidade lhe
aparece de forma cada vez mais fragmentada, em esferas cada vez mais separadas.
Num mundo separado em compartimentos estanques, o indivíduo isola-se cada vez
mais no espaço em que foi confinado. Resulta que cada um consegue reconhecer
apenas parte ínfima desse mundo. Mas sente, ainda assim, necessidade de tomar
consciência do todo. E só pode fazê-lo por meio de outros – de intermediários
que passam traduzir-lhe essa totalidade, permitindo-lhe aproximar-se de uma
visão mais próxima do real. Surge a figura do especialista, que tem, nos mais
diversos ramos, a função de “explicar” essa realidade fora da sua compreensão.
Enxergando a realidade com os olhos de outros, como num espelho invertido,
assume uma postura de espectador, abdicando da vida-vivida.
Como esse estado é, em última instância,
o contrário da vida – que exige intervenção constante –, forma-se um ser social
alienado, na verdadeira acepção da palavra. Ele detesta, por exemplo, a ação
política, delegando o poder para os políticos profissionais que, julga, estão
mais capacitados para intervir na administração pública. Vemos então, mesmo no
campo da política – próprio das utopias e do confronto de pensamentos –, a
subordinação à economia e o fim da ideia de inovação.
Temos que sugerir novos sentidos para o Brasil
Ao assistirmos à falência do modelo
construído pela burguesia liberal, e ao olharmos as grandes manifestações de
contestação que ocorrem pelo mundo – cujos atores buscam novas formas de
relacionamento humano –, surge um novo cenário. Nele, recuperar e acentuar
nossa característica perdida já não é um ato inocente e fora de sentido.
Torna-se imperativo. É o que permite dar sentido a nossa própria existência,
como contribuição que poderá ajudar a vencer a barbárie – esta tendência
concreta que põe em risco até mesmo nossa existência como espécie.
A história não se repete, já nos falou o
filósofo. Não voltaremos ao lado positivo dos anos dourados. Mas, podemos
tê-los como sentido na construção de um mundo novo, onde as relações sejam
efetivamente humanas. Por isso, a arte continua jogando um importante papel.
Acredito que essa “fogueira desvairada” será apagada por dentro do sistema, na
falência da sua própria existência, que não nos aponta para lugar algum. Cabe
aos artistas – que todos somos – descobrir no dia-a-dia, plenos de
sensibilidade, novas formas de viver, que nos removam da Caverna de Platão que
na tradução litúrgica significa tratar-se da exemplificação de como podemos nos
libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da verdade, onde Platão discute
sobre teoria do conhecimento, linguagem e educação na formação do Estado
ou um País mais justo pra todos e se possível com um pouco de delicadeza.