quarta-feira, 25 de maio de 2011

Texto de despedida de um Lider do Exercito.

BRASÍLIA, 09 MAI 2011

PALAVRAS DE DESPEDIDA

Em meu nome e do Gen Mayer, agradeço a presença de todos.

Há exatos 16 511 dias, transpus o portão dos novos cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras.

Iniciava-se então o ciclo mais produtivo de minha vida. Tentarei, em alguns minutos, recordar, sumariamente, personagens, fatos e reflexões que marcaram de forma indelével essa trajetória.

Começo pelos meus 21 irmãos de Arma. Caminhamos juntos, desde a sábia escolha que fizemos, há 42 anos. Reunimos a melhor Turma de Cavalaria da história do Exército. Custo a acreditar que alguns cavalgam hoje nas pradarias eternas. Guedes, Gaspar, Vilarinho e Pedro Couto, guardo de vocês, que saíram de forma sem permissão, uma enorme e irremediável saudade.

Minha gratidão aos abnegados e brilhantes mestres e instrutores, muitos aqui presentes, que renovaram periodicamente meu horizonte de conhecimento, nas diversas escolas do nosso primoroso Sistema Militar de Ensino, oásis indiscutível da educação, em um País, onde esse tema só é prioritário nos palanques eleitorais.

Minha homenagem aos Oficiais Generais com quem convivi, ao longo desses 45 anos. Exemplos de dedicação, honradez e profissionalismo, eles são escolhidos por um Sistema de Promoções que não é infalível, por ser conduzido por seres humanos, entretanto é marcado pela honestidade de propósitos, pela isenção e pelo senso de justiça. Espero que não aceitemos jamais ingerências políticas nesse processo, sob pena de violarmos nossos valores mais caros.

Comandantes e comandados, por intenções, atos e palavras, escrevem a história militar. Fui brindado, de aspirante ao mais alto posto, pelo convívio com sucessivos comandantes, da mais alta estirpe. Não vou citá-los para evitar omissões. Eles me ensinaram, sobretudo, que nada substitui o exemplo. Com eles aprendi que o Chefe militar nem sempre consegue ser um líder, mas jamais pode abdicar de tentar sê-lo, obstinadamente.

Aos meus comandados, dedico uma reverência respeitosa. Eles foram a principal motivação da minha vida profissional. Obrigo-me a uma citação especial aos que me acompanharam nas duas mais difíceis e relevantes missões de minha carreira. No Haiti, como comandante de uma força de paz, em um país estrangeiro, numa situação real, e na Amazônia, onde a presença efetiva do Estado Brasileiro se resume, quase sempre, à estóica presença das Forças Armadas. Confirmei, nessas ocasiões, o valor do soldado brasileiro e a sabedoria do postulado que cultivei incansavelmente: ao subordinado devemos, antes de tudo, respeito e lealdade. Jamais violei esses princípios. Orgulho-me de poder encará-los, desde s empre, com a cabeça erguida, olhos nos olhos.

A meus últimos comandados, do Departamento de Ciência e Tecnologia, impõe-se uma explicação. Quando fui nomeado para chefiá-los, vocês ouviram, nos corredores do Quartel-General, que eu estava sendo colocado em uma geladeira profissional. Sem dúvida, o DCT nada tinha a ver com meu perfil e minhas aptidões. Por decisão do Comandante Supremo, eu me tornara o exemplo típico do homem errado no lugar errado. Como aprendi, desde cadete, que missão é para ser cumprida, procurei superar minhas notórias deficiências nessa área. Seguindo os passos de meus antecessores, busquei valorizar ainda mais o Engenheiro Militar e fazer com que o Exército avaliasse melho r a importância da Ciência e Tecnologia no mundo de hoje. Lutei para que a Força Terrestre se convencesse de que não haverá a tão sonhada transformação, sem um investimento maciço em autonomia e inovação tecnológica. A experiência, graças a vocês e ao ineditismo de tudo que conheci e aprendi, foi gratificante. Espero que colham os frutos desse trabalho.

Passo agora às jóias mais preciosas desse ciclo: meus filhos Renata e Mário Márcio. Vocês nos deram pouquíssimos problemas e infinitas alegrias, até pelas escolhas que fizeram no casamento. Por serem mais ajuizados do que eu, negaram-me a chance de aplicar os ensinamentos de Psicologia que a AMAN e a vida me transmitiram. Não seguirei a praxe de lhes pedir desculpas pela ausência. Eu e vocês ausentamo-nos quando as circunstâncias exigiram, sempre em busca do sucesso, que, felizmente, todos alcançamos. Meus adorados netos, Leonardo, Henrique e Luís Felipe enchem o presente de alegria e serão, por certo, os perp etuadores do clã, no futuro.

Sonia, você é única. Foi sempre o sustentáculo da família. Amor e emoção à flor da pele. Atua em todo o campo de batalha. Comanda o apoio logístico e faz a segurança da área de retaguarda. Às vezes defende o dispositivo e realiza contra-ataques de desaferramento. Tem ainda papel preponderante nas ações retardadoras e nos retraimentos e, fatalmente, será bastante exigida a partir de agora, na retirada. Devo-lhe parcela considerável do meu sucesso. Obrigado por tudo.

Propositalmente deixei por último meus pais. Sem eles, por motivos óbvios, nada disso teria acontecido.

Dona Edina, minha extremada mãe, professora por vocação, avó amantíssima. Tu foste a educadora clarividente que jamais transigiu com a displicência e exigiu-me, sempre, no limite da minha competência. Tu me mostraste que a vida é luta renhida e fez de mim um estudante diferenciado, não pela inteligência, mas sim pelo método e pela objetividade. Lembro de ti, intensamente, cada vez que devo superar-me e não foram poucas vezes.

Cel Ary, meu adorado pai. A saúde frustrou teus ideais de guerreiro e te transformou em um admirado professor. Partiste muito cedo, quando eu era um jovem tenente. Eras o meu amigo mais leal e sincero, meu companheiro de todas as horas, meu ombro acolhedor. Tua presença, tua gargalhada, teu assobio enchiam a casa. Personificavas a alegria de viver. Lutaste, em 1964, contra a comunização do país e me ensinaste a identificar e repudiar os que se valem das liberdades democráticas para tentar impor um regime totalitário, de qualquer matiz. Foste meu exemplo de dedicação profissional, retidão de caráter, honestidade ina balável, e amor ao Exército e ao Brasil.



Minhas senhoras e meus senhores.

Não vou agradecer ao Exército pelo muito que me proporcionou. Mantive com a Instituição uma relação de amor intenso, sem máculas, uma troca de energia e conhecimento, desinteressada e produtiva.

Se voltasse a passar pelo portão dos novos cadetes, faria tudo novamente. Talvez conseguisse ser mais solidário, mais atencioso, mais organizado, mais paciente, mais competente e mais uma infinidade de outros predicativos. Talvez por isso não nos deixem repetir o percurso. Perderia a graça.

Fui aconselhado, algumas vezes, a ser menos impetuoso e mais tolerante. Preferi, como Cervantes, seguir pela estreita senda da Cavalaria, e, como ele, desprezar certas honrarias para não abdicar de meus valores.

A partir de hoje, assistirei, da arquibancada, a mais um desafio inédito, que o nosso querido Brasil parece disposto a enfrentar: ser a primeira potência mundial a possuir Forças Armadas mal equipadas e muito mal remuneradas, no entanto altamente motivadas e extremamente competentes, como provam todos os dias, nas mais diferentes missões. Tomara que a experiência continue a dar certo.

Lembro apenas um pensamento de Rui Barbosa: “A Nação que confia mais nos seus direitos do que em seus soldados, engana a si mesma e cava sua ruína”

Ao meu dileto amigo Gen Mayer, faço votos de que continue se valendo da competência, do bom senso, da inteligência, da liderança e da capacidade de gerência que o trouxeram até aqui. O Departamento de Ciência e Tecnologia ganha hoje um grande chefe militar. Que Deus o proteja.

Aliás, devem estar surpresos por não ter falado em Deus até aqui. Não julguei necessário. Com Ele me entendo de modo especial. Não preciso de igrejas, de rezas, nem de reverendos. Bastam meus pensamentos, meus sentimentos e meus atos.

Obrigado a todos.

Brasil acima de tudo.