Os recentes atentados ocorridos na avenida Paulista, em São Paulo, fruto do preconceito contra homossexuais, mereceu destaque da imprensa, sobretudo a paulistana, por inúmeros motivos. Em primeiro lugar, eles foram cometidos por jovens da classe média, alguns menores de idade, de maneira covarde, sem chance alguma de defesa por parte das vítimas. Para um país mergulhado na violência, atos tão insensatos e perpetrados de forma tão torpe não poderiam mesmo ficar sem menção. Em segundo lugar, foram devidamente documentados por câmeras instaladas em edifícios nos locais da agressão e confirmados pelo depoimento de inúmeras testemunhas, o que permitiu a sua exibição com alarde nos principais telejornais. Dar destaque à violência é uma tônica da imprensa brasileira e este comportamento inclui desde os jornais e programas sensacionalistas até os telejornais e veículos considerados de "boa família". Em terceiro lugar, porque existe, felizmente, uma mobilização da sociedade e principalmente de grupos organizados no sentido de condenar veementemente a afronta aos direitos humanos e a discriminação de qualquer ordem. Ignorar esta pressão não tem sido possível, ainda que editores, repórteres e empresários da comunicação insistam em viabilizar pautas e em estampar manchetes que contribuem para aumentar o preconceito.
Mas a atenção dedicada pela mídia a estas ocorrências não significa, muito pelo contrário, que ela esteja comprometida com a luta contra a homofobia porque, na prática, ela tem se comportado, contraditoriamente, particularmente no que diz respeito à problemática homossexual.
A postura dos meios de comunicação tem sido de hipocrisia porque, em geral, eles praticam o velho jogo de "dar com uma mão e tirar com a outra", ou seja, fingem estar sensibilizados com a questão, mas estimulam, irresponsavelmente, o preconceito, criando estereótipos para caracterizar os homossexuais.
Esta situação pode ser percebida nas reportagens, onde gays e lésbicas são retratados de maneira pejorativa, com fotos e expressões que apenas reforçam o preconceito, mas é contundente, é dramática quando se observam determinados espaços nos meios de comunicação, como as caricaturas na mídia impressa e os programas humorísticos no rádio e na televisão. Os homossexuais são, invariavelmente, ridicularizados, contemplados a partir de alguns traços (fala, vestuário, gestos etc), tidos como seres estranhos, moral e socialmente desequilibrados.
Apesar disso, empresários da comunicação e editores esforçam-se para impedir que o congresso brasileiro vote e aprove projeto de lei (há um em tramitação no Senado) que criminaliza a homofobia e suas manifestações, alegando ( o argumento é o mesmo de sempre) que ele atenta contra a liberdade de expressão.
Temos repetidamente denunciado o cinismo da mídia que, com a cumplicidade de agências, anunciantes, tenta barrar ações para regular a veiculação de determinados temas (propaganda de bebidas, de alimentos não saudáveis etc) buscando fazer com que interesses privados prevaleçam sobre o interesse público. Embora estejam pouco interessados na liberdade de expressão, os meios de comunicação apóiam-se nela para garantir a manutenção de seus privilégios e os seus lucros abusivos. No caso dos homossexuais, é claro que a intenção é continuar impune diante de sucessivas manifestações homofóbicas, como se a sociedade lhes tivesse concedido o direito de agir desta forma, o que é absolutamente falso.
O preconceito contra a "orientação sexual" precisa ser visto como o preconceito contra as minorias, o ético, o religioso, o racial etc e a legislação deve ser clara a este respeito para evitar que abusos sejam cometidos em nome de uma falsa liberdade de expressão. Assim como não se tolera a discriminação, de qualquer forma, contra os negros, os indígenas e os espíritas, por exemplo, não deve ser tolerada a discriminação contra os homossexuais e toda manifestação que consolide e estimule este preconceito deve ser punida exemplarmente.
A mídia costuma julgar, muitas vezes no seu tribunal exclusivo sem direito à defesa, organizações, governos e pessoas em função de seus atos, criando inclusive rankings de empresas socialmente responsáveis, mas se arrepia toda quando a sua postura é colocada na berlinda. Exige responsabilidade social, mas a afronta a cada momento, quando age preconceituosamente, como no caso da imposição de um estereótipo negativo para os homossexuais.
Ela é irresponsável porque não percebe a influência que esta "imagem distorcida" tem junto a determinados segmentos da população, notadamente entre crianças e jovens, o que pode ser percebido nas agressões continuadas contra homossexuais.
Ela ignora o fato de que os casos de homofobia tem crescido consideravelmente na internet, como atesta levantamento recente da ONG SaferNet. Segundo esta organização, as denúncias de conteúdo homofóbico na web, apenas nos 10 primeiros meses deste ano, representaram quase 5.000 queixas, 88% superior ao observado no mesmo período de 2009. O Twitter , o Orkut e outras redes sociais estão contaminados por manifestações homofóbicas ("Matem os travecos", "Eu odeio gays" etc) e elas contribuem (os empresários da comunicação são capazes de negar isso?) para formar novas legiões de agressores no futuro.
A Secretaria dos Direitos Humanos, a OAB, o Conselho de Psicologia e outras entidades e organizações, além das comprometidas com a livre expressão da sexualidade, precisam cerrar fileiras para que estes abusos não permaneçam, convocando outras áreas e setores nesta luta contra o preconceito.
É fundamental que os profissionais da mídia que atuam nos meios de comunicação se conscientizem da necessidade de respeitar a diversidade e que as universidades que os formam iniciem este debate internamente para que tenhamos no futuro uma mídia socialmente responsável.
Quanto aos responsáveis pelos programas de humor, os redatores preconceituosos que insistem em reforçar a homofobia, sugerimos uma pressão constante, uma cobrança cívica, com o objetivo de evidenciar o efeito nefasto de seu humor inconseqüente.
Ridicularizar os homossexuais em programas humorísticos não tem graça alguma e só contribui para estimular a violência. Tratar os homossexuais como seres de outro planeta não é sinal de inteligência e a mídia "emburrece" toda vez que age assim. Quando a imprensa não se autoregula para evitar desvios e abusos, é essencial que a sociedade tome a iniciativa e, por isso, a relevância do projeto de lei em tramitação no Senado.
Está na hora de acabar com esta brincadeira de mau gosto. Respeitemos a diversidade. Repudiar a homofobia é passo importante para construir a verdadeira democracia em nosso país.
* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor da UMESP e da USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa. Editor de 4 sites temáticos e de 4 revistas digitais de comunicação.